Clóvis Teixeira Filho (*)
Nos últimos dias, acompanhamos a invasão da Rússia em território ucraniano, uma operação de guerra e de retaliações envolvendo as maiores potências globais. Nesse cenário, a comunicação tem sido vista ao menos em três dimensões: como estratégia e tática de ataque, como informação institucional dos veÃculos de comunicação e como circulação das realidades vivenciadas pelas próprias vÃtimas civis. Ou seja, a comunicação é central nesse conflito, assim como foi em outras guerras, mas agora, potencializada pela estrutura de redes e pelo desenvolvimento das tecnologias digitais.
Ainda no século XIX, a Guerra da Crimeia foi a primeira a ser fotografada, permitindo a documentação, ainda que a intenção fosse acalmar a opinião pública por um realismo fantástico. A Primeira Guerra Mundial contou com o rádio, tanto como tecnologia militar quanto na transmissão de informações. Já na Segunda Guerra, a decodificação de mensagens e a expansão da televisão foram pontos vistos respectivamente durante e depois dos embates, seguidos pela internet para uso militar e acadêmico nos anos 1960.
Neste momento, em que a tecnologia parecia ser a salvação para os problemas sociais, vemos nas diferentes frentes o uso como estratégia e tática de ataque. Em 2007, o ataque cibernético a sites governamentais na Estônia inaugurou os registros desse tipo de abordagem, afetando serviços da população. Em 2008, a Geórgia foi atacada e teve seus serviços prejudicados em meio à guerra com a Rússia, seguidos de ataques à Ucrânia em 2015 e 2016, que repercutiram em apagão energético no paÃs, também a partir de especialistas russos. Estratégia parecida foi utilizada pelos EUA contra o Irã para sabotar o enriquecimento de urânio.
Pouco depois da invasão à Ucrânia, a rede internacional Anonymous anunciou uma sequência de ataques aos sistemas russos. O contra-ataque também ocorre de forma institucional, pela retirada do paÃs do sistema de comunicação bancária SWIFT. Do outro lado, operações alternativas já vinham ocorrendo pelo sistema SPFC, embora em menor dimensão. Soma-se a esses usos da comunicação os audiovisuais de Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, com alto valor simbólico para a união da população, resistência e informação sobre o cotidiano de batalhas, superando suas performances artÃsticas anteriores.
Como informação institucional, isto é, de veÃculos de comunicação e outras empresas da área, vemos a pluralidade da cobertura mundial, noticiando por meio de correspondentes internacionais e agências de notÃcias os acontecimentos. Uma cobertura em tempo real. Na Rússia, o bloqueio do Twitter, o impedimento da atuação de veÃculos de comunicação independentes do governo, além da determinação para informar a situação como uma operação de paz, foram algumas das ações do governo. Até Elon Musk surgiu em meio ao debate comunicacional, reestabelecendo a conexão com a internet no paÃs atacado.
Por fim, as circulações em mÃdias sociais pelos próprios cidadãos mostram as diferentes vivências em meio aos ataques, reforçando um apelo mundial para mobilização contrária à guerra. Crianças em meio a bombas, ataques a instalações civis, além da atuação de não militares nas batalhas são alguns dos conteúdos gerados pela população. Todas essas evidências comunicacionais constituem uma memória da guerra diferente das anteriores, conectando redes globais de tensionamento dos demais paÃses, como EUA, os membros da União Europeia, o Reino Unido, a Ãndia e a China, mas também o Brasil, cobrado por um posicionamento.
O avanço tecnológico parece não ter acompanhado um avanço civilizatório, que contribua para soluções diplomáticas em busca do desenvolvimento humano. Assim, as redes de comunicação podem ser usadas para salvar vidas, mas também para atacá-las, retomando a metáfora do veneno e do remédio. Enquanto isso, além das vidas acometidas, o registro da guerra constitui uma memória possÃvel, e necessária de ser circulada nas redes, para refletirmos em que medida podemos evitar futuros conflitos.
*Clóvis Teixeira Filho é doutorando em Ciências da Comunicação e coordenador de pós-graduação na área de Comunicação do Centro Universitário Internacional Uninter.